A credibilidade
da chamada classe política, conceito questionável que, injustamente, coloca
todos os detentores de cargos políticos ao mesmo nível e no mesmo saco, cambaleia pelas ruas da amargura.
Como se não bastasse a profunda crise
social, económica e financeira que assola o mundo do trabalho, a função
pública, os pensionistas e a classe média, lançando no desespero e no desgaste
permanentes, centenas de milhares de portugueses, sujeitos ao desemprego
galopante, ao aumento brutal do custo de vida, a cortes desumanos nos seus
direitos – acesso à saúde, educação, proteção social, etc. -, que não vislumbram
tampouco uma luz ao fundo do túnel e razão para tamanhos sacrifícios, infligidos
de forma desigual e assimétrica, a coberto da paranoia da austeridade, também
os próprios líderes políticos mantêm-se useiros
e vezeiros nas promessas ocas e na mentira.
Vem isto a propósito do anúncio
do primeiro-ministro de que a função pública voltará a receber os subsídios de
férias e de Natal, de forma gradual,
a partir de 2015.
Ainda recentemente, ele próprio, o ministro das finanças e
outros altos governantes, afirmaram que essa medida é temporária e vigorará
apenas durante a vigência do Programa de Assistência Económica e Financeira, ou
seja, durante os anos de 2012 e 2013.
O impassível e sábio ministro das
finanças reconheceu que se tratou “naturalmente
de um lapso” (mas não pediu desculpa!).
Se recuarmos ao dia 1 de Abril de
2011 (a dois meses das últimas eleições legislativas), e reproduzir as palavras
do atual primeiro-ministro, na altura - na oposição ao governo de José
Sócrates: “ Eu já ouvi o
primeiro-ministro dizer, infelizmente, que o PSD quer acabar com muitas coisas
e também com o 13.º mês, mas nós nunca falámos disso, e isso é um disparate.”
Outra coisa não é de constatar, senão, a indecência, a charlatanice e a
mediocridade que medra no seio dos governantes que lideram o país … rumo ao
empobrecimento e ao desastre.
O descrédito da
chamada classe política e a falta de ética, também atinge o poder local. Vamos
ao facto concreto.
Na reunião do executivo municipal de Silves de 14 de Março
do corrente, o orçamento da câmara para 2012 foi aprovado com os votos
favoráveis do PSD (3) e os votos contra do PS (2) e da CDU (1). A Presidente exerceu
o voto de qualidade.
Até aqui, aparentemente tudo bem. O problema está em que o
PS não substituiu de forma deliberada um dos dois vereadores que faltaram à
reunião porque “politicamente” tinham decidido viabilizar o orçamento, e em
simultâneo, fazer transparecer para a opinião pública, que se opuseram ao
mesmo. (Para os menos conhecedores dos meandros das reuniões de
câmara, é bom sublinhar que na ausência de algum elemento do executivo, e perante deliberações
importantes, como era o caso, prevalece em regra o bom senso de adiar a votação,
existindo sempre a alternativa extrema da oposição provocar falta de quórum).
No desempenho das suas funções, os políticos locais subordinam-se ao quadro
legal, são livres nas orientações que tomam, mas obrigam-se a comportamentos
éticos, transparentes e sérios na abordagem que fazem dos problemas e no
processo de tomada de decisão. Eleitos locais com carater e espírito de missão,
nunca perdem de vista a salvaguarda dos interesses reais da população que representam,
abominam a mentira e os jogos políticos indecorosos.
Apostila1 - Posteriormente, os eleitos
do PS na Assembleia Municipal tiveram o bom senso de corrigir o comportamento
lamentável dos seus correligionários no executivo municipal, chumbando a
proposta de orçamento da autarquia para 2012.
Porque a meu ver há dois aspetos
fundamentais que são inaceitáveis na proposta de orçamento: (i) a redução violenta das transferências para as Juntas de
Freguesia, de forma desigual e discriminatória (29% para as JF de Messines/CDU,
Silves/CDU e S. Marcos da Serra/PS, e 23% para as restantes); (ii) a redução dos subsídios atribuídos às Corporações de
Bombeiros (5%), associada à transferência de mais encargos para estas instituições,
e dos donativos às associações culturais (50%).
Opções que não se justificam,
considerando, designadamente, o corte das transferências do governo para os
municípios (5%), e o orçamento idêntico ao do ano transato (48 milhões de
euros). Poder local mais insensível e centralista que o poder central? Não se
compreende!
Apostila2 - A crise do país não é apenas
de ordem económica e financeira (consequência). É sobretudo de ordem
político-ideológica e de valores/ética (causa).
Político-ideológica porque assente
no rotativismo e na desumana lógica neoliberal aplicada no contexto nacional e internacional,
erigida em pensamento único, e dirigida à economia e à sociedade, no sentido da
privatização, desregulamentação e mercantilização universal (ditadura dos
mercados).
De valores/ética porque o que prevalece realmente hoje é a
concorrência desenfreada e o consumismo. O pragmatismo e o individualismo. A
indiferença e a submissão. O medo e a apatia. “O partido do dinheiro” e a impunidade
dos poderosos. A corrupção, cunha e compadrio. Jobs for the boys. A ascensão na vida a todo o custo, sem escrúpulos
… e a falta de ética na política.
Publicado no Jornal "Terra Ruiva"
Edição de Abril/2012
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