sábado, 19 de maio de 2012

Não foi feita justiça!


O famigerado processo Viga d´Ouro que estoirou no seio da Câmara Municipal de Silves em Agosto de 2006 que foi alvo de repetidas comunicações ao Ministério Público, Política Judiciária, Procurador-Geral da República, e forte alarido na comunicação social, ao fim de todos estes anos, mereceu despacho de arquivamento por prescrição.

Não houve tempo nem vontade dos altos responsáveis pela administração da justiça, para levar a cabo a investigação que se impunha, e o apuramento da verdade material e das responsabilidades.

A extrema gravidade dos factos ocorridos - traduzido na entrega continuada e sistemática de obras à mesma empresa durante largo período (sem concurso) e nos avultados prejuízos causados às finanças públicas locais -, o bom nome da autarquia, a defesa do poder local democrático, a prevenção de futuros atropelos grosseiros à legalidade, a dignidade das  pessoas envolvidas, exigia que se fizesse justiça, encontrando os verdadeiros culpados.

O PCP/Silves chegou a exigir a demissão da Presidente da Câmara Municipal de Silves (Comunicado de 16Out2006).

Na investigação interna, conduzida por instrutora externa oriunda do Departamento Jurídico da CM de Tavira, pode ler-se no Relatório Final, datado de 29Set2006 que:

(…) Se regista ao todo, um universo de aproximadamente 1200 faturas que totalizam um valor estimado de 4,9 milhões de euros, apresentadas entre Dezembro de 2004 e meados de 2006, todas em nome da mesma empresa Viga d´Ouro, cujos valores de faturação individual não ascendem  os 5989,00 euros, com IVA incluído (…) constata-se que chegam a ser emitidas para a mesma obra mais de 60 faturas no mesmo dia (…).

A generalidade das obras (média de 11 por mês), caraterizou-se pela ausência de projetos de execução, cadernos de encargos, peças desenhadas, medições dos trabalhos a executar, fichas de obras com registos de custos com materiais e mão-de-obra, e pelo fracionamento ostentatório da despesa.

Em muitas delas verificou-se a sobreposição de trabalhos, executados no mesmo espaço e por diferentes prestadores (privados e públicos).

Os serviços camarários ignoraram os “contratos de fornecimento contínuo” em vigor (inertes, betão betuminoso e material diverso para as redes de água e saneamento) e adquiriram os mesmos materiais à Viga d´Ouro por preços unitários mais elevados.

Nestas condições e noutras por elencar, o controlo de custos e a fiscalização municipal foram mera figura de retórica.

Acresce ainda que a autarquia silvense aceitou cessões de crédito (supostas) e acordos de pagamento com instituições bancárias para celebração de contratos de factoring entre a Viga d´Ouro e estas instituições, no valor de 4,9 milhões de euros (num universo mais vasto de 14 milhões de euros, abarcando demais empresas), violando as normas legais estabelecidas – porque de facto não se tratou de cessões de crédito (modalidade legal) mas sim da contração indevida de dívida junto da Banca.

As Contas de Gerência da CMSilves de 2006 e 2007 registam pagamentos de encargos financeiros (não relacionados com empréstimos de médio/longo prazo) nos montantes de 151 mil euros e 164 mil euros, respetivamente.

Analisando a natureza das operações, conclui-se que não se tratam de créditos do Município titulados por factoring, mas sim de uma dívida à banca, estando a autarquia a efetuar o pagamento das inerentes dívidas, bem como dos juros moratórios … forma informal de criar crédito financeiro, que nunca foi prevista nem consentida pela lei. (Tribunal de Contas, Relato da Conta de Gerência de 2007).


O processo Viga d´Ouro não pode ser dissociado do objetivo implícito da conservação a todo o custo do poder político cujo epicentro se localizou no período das eleições autárquicas de 2005.

Este frenesim e ânsia de fazer obra a todo o vapor, sem olhar a meios, sem cobertura orçamental real, e procedimentos ético-legais (foi memorável a marcação da inauguração do parqueamento junto às Piscinas Municipais para as vésperas das eleições, em pleno dia de reflexão), conduziu ao vertiginoso endividamento corrente da autarquia que disparou de 14,3 milhões de euros (2004) para 27 m. euros (2005) e 25 m. euros (2006).

Não por acaso, em 2005, a autarquia registava situação de falência técnica, e em 2007, situação de desequilíbrio financeiro estrutural.

O processo Viga d´Ouro integra a página mais negra do historial do poder local democrático em Silves que mancha para sempre a honorabilidade da liderança autárquica que o sustentou. Não foi realizada uma auditoria externa credível e independente, nem foi feita justiça. Ao fim e ao cabo, não se sabe ao certo, quantas centenas de milhares de euros custou ao erário público os desmandos do processo, nem se identificaram as eventuais teias de cumplicidades e ligações perigosas. Reforçou-se a crença pública de que a justiça não se aplica a todos os cidadãos. Funesto para a sociedade, péssimo para a sanidade da democracia.


Publicado no Jornal Barlavento - Edição de 17 de Maio de 2012
Publicado no Jornal Terra Ruiva - Edição de Maio/2012

6 comentários:

Anónimo disse...

Doutor Martins,o que tem a dizer, sobre a situação da junta de freguesia de Alcantarilha?Você como uma pessoa humana séria e, sem interesses comerciais.
OBRIGADO

Francisco Martins disse...

Três pontos prévios: 1) Em princípio recuso falar com anónimos (relação desigual); 2) Excecionalmente, compreendo que há circunstâncias em que o anonimato se justifica (admito-o no presente caso); 3) Relevo a simpatia e a correção de quem me aborda, embora, não sobre o texto publicado.
Julgo que a questão que me coloca tem a ver com a não aprovação do Orçamento da CMSilves/2012 e as suas implicações nos eventuais salários em atraso (não sei ao certo) na JF de Alcantarilha.
Se assim for, tecerei os seguintes comentários:
- cabe inteiramente à liderança camarária a responsabilidade pela não aprovação do documento;
- é inconcebível que tenha recusado a introdução de alterações na proposta inicial de orçamento (01Dez2011!), e o tenha retirado da agenda das últimas reuniões camarárias;
- julgo que a oposição viabilizará o orçamento desde que a maioria camarária corrija (não é exigir muito) os cortes brutais e discriminatórios nas transferências para as JF do concelho (o orçamento/2011 foi aprovado nestas condições);
- Julgo que é uma questão de bom senso a rejeição de cortes médios de 23,38%, e de 28,99% para as JF de Messines, Silves e S. Marcos da Serra) quando os cortes infligidos pelo Governo aos Municípios se situaram nos 5%!!!.

Acrescento ainda que na ausência de novo orçamento, aplica-se o orçamento do ano anterior, com as modificações à data de 31 de Dezembro (DL 54-A/99, de 22 de Fevereiro).

Há manifesta falta de vontade política, diria mesmo, absurda teimosia por parte da maioria, para resolver a questão do orçamento. Será por terem chegado ao fim de um longo ciclo ... e mais nada interessar?!

É também por estes imbróglios artificiais que algumas Juntas de Freguesia (por ex.: Messines e Silves) conduzem uma gestão prudente por forma a evitar males maiores (como eventualmente, será o caso da JF de Alcantarilha).

A ser verdade a realidade dos salários em atraso numa Junta de Freguesia, só posso lamentar e afirmar o meu total repúdio pelo facto, que não apresenta nenhuma razão de ser ... pelo descrito anteriormente. As responsabilidades cabem inteiramente a quem lidera o município.

Anónimo disse...

Resposta ao comentário anterior anterior,Meu caro e querido amigo Dr. Martins,adorei e compreendi a sua resposta.
Simpatizava com o ps.mas quando você concorreu. eu e a minha familia toda votamos em si.
Peço-lhe um favor.candidate-se outra vez.Porque como isto está. desta vez.Uma grande parte do ps e muitos do psd, vão votar em si-
Porque os candidadtos de que se fala,já nem a propria familia deles conseguem convencer,nem mentir ja sabem.

Anónimo disse...

Dr. Martins por vezes o aninimato é de salutar,desde que, seja para denunciar fatos reais.
Sabe o que são perseguições, as atuais. parecidas aos tempos em que o PC vivia no aninimato na (clandetinidade).

Francisco Martins disse...

Não posso deixar de concordar. São as tais circunstâncias que por vezes justificam plenamente o uso do anonimato.

Anónimo disse...

A CAMARA DE CAMINHA ESTÁ A SER INVESTIGADA,MOTIVADA EM DENUNCIAS ANÓNIMAS.