quinta-feira, 21 de junho de 2012

Mitos e realidades

No discurso dominante, nas elites e na comunicação social que o veiculam, como outrossim da opinião pública portuguesa, social e politicamente pouco esclarecida, conservadora no seu ideário, passa com alguma frequência a mensagem de que os pagamentos efetuados pelo Estado no âmbito do Rendimento Social de Inserção (RSI) ou do subsídio de desemprego, estão associados a uma fraude generalizada, e representam uma quota-parte essencial das razões do défice público e da crise que assola o país.

Esconde-se que as receitas da segurança social não provêm unicamente do orçamento de estado (OE) no quadro da sua política redistributiva e de bem-estar social (para isso é que os governos existem e os cidadãos pagam impostos) mas igualmente dos descontos efetuados pelos trabalhadores e entidades empregadoras.

Espalha-se a ideia de que os beneficiários do RSI e do subsídio de desemprego, são por definição, gente oportunista que, simplesmente, não quer trabalhar.

É claro que os há, e é importante que o Estado fiscalize e puna, não tomando, contudo, a árvore pela floresta, eliminando direitos sociais constitucionalmente consagrados e avanços civilizacionais, mistificando-se e subvertendo-se a hierarquia das causas da crise estrutural do capitalismo (iniciada na esfera financeira e prosseguida com a captura dos recursos públicos pelos interesses privados), e desprezando-se o drama, o horror e a tragédia das famílias fustigadas pela miséria e perda do emprego.

É elucidativo reter que do universo de 1 milhão e 200 mil desempregados efetivos, havia em Fevereiro do corrente, somente 351 959 beneficiários a receber prestações de desemprego (29% do total).

O OE/2012 prevê gastar mais de 2200 milhões de euros nesta rubrica, sinal do reverso das violentas políticas de austeridade sobre austeridade que leva ao encerramento de empresas por contração do rendimento e da procura, avoluma os despedimentos, reduz as receitas fiscais e as contribuições para a segurança social.

No quadro do RSI, dados relativos ao primeiro trimestre de 2012, apontam para 329 274 pessoas a receber a prestação pecuniária, que corresponde ao valor médio individual de 91,22 euros, e valor médio por agregado familiar de 245,00 euros.

Em 2011 foram gastos 414 milhões em RSI.

Dados referentes a 2009 e 2010 comprovam que o RSI representa 2,5% do orçamento da segurança social, a sua terceira menor despesa; 3% é o valor da cessação da prestação por “falsas declarações”, vulgo fraude, o que corresponde a menos de 13 milhões de euros; 4% é a percentagem dos beneficiários do RSI na população nacional, integrados nos quase 20% que vivem abaixo do nível de pobreza.

Acerca da temática em análise, é deveras curioso relevar dois aspetos, a reter: (i) Portugal tem das mais baixas despesas em proteção social por habitante, menos de 2/3 da média da União Europeia; (ii) sem as transferências sociais a taxa de risco de pobreza subiria dos 17,9% para os 43,4% da população total; o relatório da UNICEF – “Medir a Pobreza Infantil” conclui que mais de 27% das crianças portuguesas vivem em situação de carência económica, colocando o país em 25.º lugar numa lista de 29 países da OCDE (dados de 2009 que, se atualizados, serão bem piores).

A natureza subalterna dos valores despendidos pelo Estado em termos de subsídio de desemprego e RSI (há muito por onde cortar que não aqui), no contexto do combate ao défice das contas públicas, é aferida – a título apenas exemplificativo - no confronto com os seguintes factos.

Em primeiro lugar – a lentidão vergonhosa imprimida à renegociação das famigeradas parcerias público-privadas (120 PPP) que envolvem encargos brutos para o Estado, entre 2014 e 2024, na ordem dos 48000 milhões de euros (valor peca por defeito), estimando-se que esses contratos abertos possam ser empolados em 20% a 30%.

Em segundo lugar – as dívidas ao fisco e à segurança social no valor de 16000 milhões de euros.

Em terceiro lugar – os custos fraudulentos do BPN que já vão nos 3000 milhões de euros, restando ainda a bomba-relógio: os 3900 milhões de euros em “ativos com imparidades”.

Em quarto lugar – o próprio défice previsto do OE/2012 (4,5 % do PIB), que corresponde à quase totalidade do pagamento dos juros da dívida pública. Sem estes encargos (8000 milhões de euros) que equivalem a 110% do Serviço Nacional de Saúde, o OE apresentaria superavit (1300 milhões de euros), o que dá a ideia do esbulho a que o país está a ser submetido pela banca nacional e internacional.

No seu discurso de pensador livre e assertivo, Pacheco Pereira (Abrupto, 25Nov11) faz uma fotografia fiel da realidade que nos tolhe o presente e o futuro:

(…) Não precisamos de tanta empatia com o programa da troika, precisamos era de mais simpatia pelos portugueses que estão a empobrecer. (…) não precisamos de todo da antipatia ativa com os que estão a perder, como se eles fossem os culpados do que nos está a acontecer. Ou será que alguém pensa que um banqueiro, desses que influenciaram e patrocinaram a política de todos os nossos governos, tem menos culpas do que um motorista da Carris? É que parece que sim.


Publicado no Jornal "Terra Ruiva"
Edição de Junho/2012

1 comentário:

Anónimo disse...

A culpa é toda nossa incluindo eu, que tenho votado por vezes no PS,são sempre os mesmos que por lá têm estado.
Quem estiver descontente com o ps vota psd,ou descontente com ps vote psd.
E o País chegou aonde todos nós estamos.