quinta-feira, 19 de julho de 2012

Salazarismo e Democracia (1)

Volta e meia deparamo-nos com opiniões, oriundas de cidadãos com mais ou menos conhecimentos, defendendo que no tempo de Salazar o país era melhor.

Há que distinguir três ordens de razão: 1) a fúria da revolta e o desabafo indignado contra a violência da austeridade assimétrica, o custo de vida, o empobrecimento, as desigualdades, o desemprego, a corrupção e o retrocesso civilizacional em matéria de direitos laborais e sociais; 2) a ignorância e memória curta dos 48 anos de ditadura; 3) a defesa consciente da ideologia fascista (felizmente, muito rara na sociedade portuguesa).

Por muito degradante que seja o estado da democracia portuguesa - conquistada por ação do movimento dos capitães de Abril de 1974 - a liberdade não tem preço, e o desenvolvimento socioeconómico das nações é incompatível com regimes de ditadura ou figuras providenciais.

Impõe-se que o movimento de rotura política e transformação que o país cada vez mais carece, a refundação do regime democrático - a acontecer mais cedo do que tarde – se faça na direção do aprofundamento da justiça social, da descentralização e da democracia, e não, em sentido contrário.

Não é surpresa que os países menos desenvolvidos da europa ocidental – do sul - são exatamente aqueles que viveram sob regimes autocráticos: Grécia dos coronéis (1967/74), Portugal salazarista (1926/74), Espanha franquista (1939/76) e inclusive a Itália mussoliana (1922/45), reunidos atualmente sob o pejorativo acrónimo de PIGS, com a diferença de que os dois últimos países, pela dimensão e potencial das suas economias, se apresentam, mesmo assim, num patamar de desenvolvimento bastante mais avançado relativamente aos primeiros.

Antes de 1974 não se podia falar nem escrever livremente. Não eram permitidas greves e manifestações. Não havia eleições livres e o partido fascista existente, era único.

Foram marcantes as eleições presidenciais de 1958. O General “sem Medo” Humberto Delgado, reunindo toda a oposição democrática, “perde” as eleições para o inenarrável Almirante Américo Tomás (no cargo até 1974) porque o regime orquestrou uma gigantesca fraude eleitoral.

O regime sofreu tamanho susto que os sufrágios diretos para a presidência da república não mais se repetiram.

A natureza retrógrada era tal que até ao fim da década de 60, as mulheres só podiam votar quando eram chefes de família e possuíam cursos médios ou superiores. No caso das mulheres casadas, a obtenção de um passaporte dependida da autorização do marido, como deste dependia a possibilidade de montar um negócio, de sair do país, de abrir uma conta bancária! O lugar da mulher era no lar!

Vigorava a censura prévia na comunicação social (a paranoia anticomunista obrigou a que os adeptos do Benfica passassem a ser apelidados de “encarnados” em vez de “vermelhos”!).

A sanguinária e temida polícia política (PIDE), através da vasta rede de agentes e “bufos”, perseguia, amedrontava, assassinava, prendia e torturava os opositores ao regime totalitário.

Tarrafal, Caxias, Aljube e Peniche foram locais de morte e martírio. Portugal era um país anacrónico e atrasado.

Estima-se que entre 1960 e 1974 tenham emigrado, legal ou clandestinamente, cerca de um milhão e meio de portugueses, motivados pela fuga à fome, à miséria e às opressivas condições de trabalho e insuportáveis condições de vida.

O caráter reacionário e irracional do regime de Salazar e Caetano evidenciava-se com a obstinação em manter a todo o custo o império colonial, à revelia do movimento descolonizador que despontou na década de 60 (Inglaterra, França, Bélgica) que soube reconhecer o direito à autodeterminação e independência dos povos, e em clima de paz, negociação e serenidade, efetivou a transferência de soberania.

Entre 1961 e 1974 (treze anos de guerra colonial) prestaram serviço militar entre 700 000 e 1 milhão de jovens (4 anos de terrível serviço militar obrigatório). Destes, morreram 8300 e ficaram mutilados 26000.

As despesas militares atingiram valores impressionantes, chegando a ultrapassar 40 por cento das despesas do Estado, com profundos reflexos negativos no investimento e no desenvolvimento do país.

O regime não soube nem quis resolver na altura própria o problema colonial, e após a revolução de Abril de 1974 … tardiamente … dificilmente ter-se-ia evitado o que aconteceu, i.e, a partida dramática e precipitada dos colonos portugueses (500 000) e o deflagrar de guerras civis em Angola, Moçambique e Timor-Leste. (continua na próxima edição)


Publicado no Jornal "Terra Ruiva"
Edição de Julho/2012

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