O governo permanece cego, surdo e mudo face ao exponencial crescimento da indignação e revolta que varre o país de norte a sul que protesta massivamente contra a brutalidade das medidas austeritárias que incidem quase exclusivamente sobre os rendimentos do trabalho, asfixiando a economia, destruindo paulatinamente os alicerces do Estado Social, castrando o futuro dos jovens, destroçando famílias e o que resta da coesão social, colocando o país a pão e água, prosseguindo um rumo estupidamente suicidário, sem que ninguém, realmente sensato, vislumbre resultados e razão para tamanhos sacrifícios que são infligidos aos suspeitos do costume.
Apesar do recuo forçado do governo na questão da taxa social única em sede de proposta do orçamento de Estado para 2013 – medida estapafúrdia e inenarrável – que mereceu o repúdio generalizado de trabalhadores e empresários, de opinadores e académicos dos mais diversos quadrantes, a verdade é que o planeado roubo anterior foi substituído por um roubo ainda maior, que Marques Mendes (ex-líder do PSD) não se coibiu de classificar como “espécie de assalto à mão armada do contribuinte”, adiantando a propósito do anúncio do aumento selvagem de impostos para 2013 (a carga do IRS sobe 34,69% e o pagamento do IMI multiplicar-se-á por números bárbaros) que, com isso: “Vai haver mais recessão, mais economia paralela, mais fuga aos impostos, mais desemprego e mais prestações sociais, ou seja, mais despesa social e menos receita”.
Simultaneamente, fazem-se cócegas ao capital. Cobranças residuais, promessas vagas e não quantificadas. Tão lestos a cortar nos rendimentos do trabalho mas tão lentos e inoperantes a mexer nas parcerias público-privadas (PPP). Não se sabe qual vai ser (vai ser?) o contributo das PPP para o combate ao défice orçamental. Não se sabe como vão ser tributados os lucros das grandes empresas. Não se sabe que taxa se aplicará sobre as transações financeiras. Tudo isto é mau de mais e escandaloso.
(Abro aqui um parêntesis para chamar a atenção redobrada dos munícipes de Silves para a proposta de IMI que sairá do Executivo Municipal e da Assembleia Municipal; havendo bom senso e imunidade às terapias além-troikistas do governo central, os autarcas obrigam-se eticamente à aplicação da taxa mínima do imposto (prédios avaliados) para evitar/atenuar impactos sociais brutais (mais de 76% das famílias adquiriram habitação própria), que mesmo assim, garante um aumento da receita municipal em sede de IMI; aguarda-se com curiosidade a posição decisiva dos eleitos do PS que, ainda não há muito tempo, viabilizaram aumentos substanciais da nova Tabela de Taxas e Licenças Municipais sob proposta do PSD local.)
É de uma cegueira atroz e fanatismo ideológico, impor modelos teóricos experimentalistas saídos dos bancos das universidades, e receituário avulso, que têm conduzido a falhanços monumentais em toda a linha, designadamente, no controlo do défice orçamental e da dívida pública. As metas do défice não foram alcançadas em 2011 (7,5% sem receita extraordinária). Em 2012 (meta revista de 5% do PIB) e em 2013 (meta revista de 4,5% do PIB), com a mesma terapia, é impossível atingir os objetivos anunciados.
O Governo controla parte da despesa, sobretudo, à custa dos cortes salariais na função pública e das pensões, mas não controla a receita fiscal que diminui, nem o défice, como consequência das políticas de austeridade que reduzem a base tributária e não permitem o crescimento.
Austeridade sobre austeridade acarreta mais recessão e mais desemprego, e agravamento do défice e da dívida. No meio da negra realidade, à incompetência dos governantes soma-se a mentira despudorada.
Atente-se no que proclamava Passos Coelho antes das últimas eleições: “O PSD chumbou o PEC 4 porque tem de se dizer basta: a austeridade não pode incidir sempre no aumento de impostos e no corte do rendimento.” Por sua vez, Paulo Portas, em plena Assembleia da República, afirmava com ar convicto que: “Aumentar impostos é aumentar a recessão. Digo-o hoje, e digo-o amanhã”.
A coligação de direita e a troika estão a semear um rasto de destruição, empobrecimento, liquidação da classe média, e regressão de direitos civilizacionais, num processo que ninguém de perfeito juízo, é capaz de descortinar qualquer rumo ou estratégia. Fazem tábua rasa da história económica e de crises recentes similares com período de gestação mais avançado (Grécia), e insistem cegamente em medidas austeritárias que, em vez de resolverem a crise, agravam-na.
Para 2013 anuncia-se uma política terrorista de saque e roubo, em doses brutais, que augura vida curta ao governo de Coelho e Portas.
Publicado no Jornal "Terra Ruiva"
Edição de Outubro/2012
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