O orçamento de Estado para 2015 (OE2015) reforça o rumo da
austeridade que se espelha na astronómica carga fiscal, 38% do PIB, coisa
impensável num país civilizado, que impende sobre a generalidade das famílias
portuguesas, com especial concentração dos sacrifícios na função pública e pensionistas.
Os governantes estão-se nas tintas para saber se os sacrifícios infligidos aos
portugueses têm correspondência na realização das metas do défice orçamental ou
da dívida pública por eles estabelecidas, dado que os resultados se têm
revelado aquém do esperado mas as políticas permanecem imutáveis.
Ao longo dos
anos os orçamentos de Estado são apresentados inicialmente como infalíveis e
sem alternativa, mas a prática demonstra-nos que os retificativos vêm logo a
seguir, prova dos erros clamorosos das previsões iniciais.
E este, certamente,
não fugirá à regra, até porque as próprias instituições internacionais
(Comissão Europeia, FMI, OCDE) e grande número de economistas, já colocam em causa
o cenário macroeconómico em que as previsões assentaram.
A novidade do OE2015,
em ano de eleições legislativas, centra-se na gigantesca operação de propaganda
do Governo, que tenta fazer crer que vem aí um abrandamento na austeridade e na
cobrança de impostos quando a verdade é outra, vamos sofrer mais agravamentos
fiscais.
A “fiscalidade verde”, conceito politicamente correto e atrativo, não
passa de mais um estratagema para cobrar mais impostos.
O impacto que provocará
nos preços dos combustíveis, gás, eletricidade, transportes, levará a
alterações nos preços de outros bens essenciais.
Quanto à reforma do IRS “amiga
das famílias”, podendo ser amiga de algumas famílias, não o será para a esmagadora
maioria delas.
A hipotética recuperação da sobretaxa do IRS em 2016 não passa
de ilusão e utopia, tão difíceis são as condições que teriam de se verificar. Por
tudo isto, é incrível ouvir o Primeiro-Ministro, a Ministra das Finanças e os
propagandistas de serviço, afirmarem que não há aumentos de impostos! “Ou seja, os impostos não aumentam, mas vamos
pagar mais impostos. Não vamos empobrecer, mas vamos ficar mais pobres. Ninguém
se está a rir da nossa cara, estão apenas a gozar connosco.” (Pedro Marques Lopes, DN, 19.10.14)
Uma das
consequências trágicas das políticas de austeridade e dos “sábios” que nos
governam, conduziu a que o desemprego se encontre no limite da explosão social
e por arrasto ao alastramento da pobreza.
Mesmo com a emigração a atingir
números somente comparáveis com as vagas do final dos anos sessenta, início da
década de setenta, do século passado - cerca de 350 mil emigrantes nos últimos
três anos -, o total real de desempregados no país, alcançou os 1,2 milhões
(22,4%).
Em contrapartida, os governos, desde Sócrates a Passos Coelho, dos
três programas de estabilidade e crescimento (PEC) ao memorando de entendimento
assinado com a troika, em vez de reforçarem os prestações sociais (abonos de
família, rendimento social de inserção/RSI, complemento solidário para idosos/CSI,
apoio à educação especial para crianças ou jovens com deficiência), têm vindo a
fazer o caminho contrário, aplicando cortes sucessivos.
É um paradoxo constatar
que perante o aumento da pobreza e da exclusão social, a resposta do Estado,
seja cortar nos apoios. Desde 2010, menos
666 526 pessoas recebem abono de família, menos
312 709 (RSI) e menos 73 810 (CSI).
A desumanidade chegou ao ponto de excluir dos apoios, milhares de crianças com
necessidades de apoios especializados.
Um
em cada quatro jovens com menos de 18 anos encontra-se em risco de pobreza.
Neste pano de fundo importa clarificar a
forma como alguns protagonistas e setores lidam com a temática da pobreza.
A
meu ver, é expressão de hipocrisia ou ignorância, o comportamento de alguns
atores, que aceitam como bons os fundamentos e as políticas económicas e
sociais que nos trouxeram até aqui, e simultaneamente, nacional ou localmente,
privilegiam o culto e a prática do assistencialismo e da caridadezinha, passando
para segundo plano a questão de fundo da defesa dos valores da solidariedade e
justiça social, e a necessidade da denúncia e condenação dos verdadeiros
malfeitores, em vez de os sustentarem politicamente.
Veiculando inclusivamente
a fantasia da inevitabilidade do fenómeno das desigualdades sociais e da solução
dos problemas através do poder local, que na verdade, deve promover políticas anticíclicas
com dimensão social, e contrariar/atenuar os efeitos das medidas do poder
central mas que está longe de os conseguir ultrapassar quer por escassez de
capacidades e recursos quer pelas competências que não lhe assistem.
Publicado no Jornal "Terra Ruiva"
Edição de Novembro/2014
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