quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Usura

O país vem a ser submetido a um processo de extorsão, de crescimento exponencial, nunca visto nos anais da sua ancestral história, enquanto Estado-Nação.

Longe vão os tempos em que a própria igreja católica sentenciava e condenava à morte os usurários porque outrora se pensava que o dinheiro não poderia gerar dinheiro por se tratar de exploração da pessoa alheia.

Nos dias de hoje sob o império do capital financeiro e da liberalização sacrossanta dos mercados, não há limites à especulação e à prática da cobrança de juros – metamorfoseada com alguma frequência em processo de espoliação e agiotagem - que tudo esmaga à sua frente: Estados, empresas, famílias, economia e sociedade.

A assinatura do memorando da troika (FMI, Comissão Europeia e BCE) pelos partidos do bloco central (PS, PSD e CDS), consubstanciada num empréstimo de 78 mil milhões de euros e em brutais medidas de austeridade, dirigidas sobretudo aos pensionistas, à função pública e ao mundo do trabalho, é um exemplo de extorsão e garrote financeiro.

A coisa é tão clamorosa que é indecoroso classificar o programa de resgate da troika como “ajuda”, como não raras vezes se ouve e escreve na comunicação social, tamanho são os custos que vão ser pagos com língua de palmo. Os juros do empréstimo de 78 mil milhões de euros representam 34,4 mil milhões de euros, que se soma com comissões no montante de 700 milhões de euros (45% do valor do empréstimo e 20% do PIB português).

É opinião cada vez mais generalizada, inclusive, nos meandros do FMI e agências de rating que as violentas medidas de austeridade - ao empurrarem a economia para a recessão - não resolverão o problema do défice público nem permitirão ao país suportar o peso crescente do serviço da dívida pública.

A dívida direta do Estado aumentará para 110% do PIB em 2012. O curioso é que a previsão do saldo primário do orçamento de Estado para 2012 (sem juros) é positivo: 0,7% do PIB (mais 1300 milhões de euros). Em 2012, os juros atingirão 5,2% do PIB (3% há dois anos) – 8013 milhões de euros - traduzindo um aumento de 2600 milhões de euros.

Os cortes nos subsídios de férias e de Natal à função pública cobrem somente 78% desse acréscimo. Os juros corresponderão a 94% do IRS, a quase duas vezes o IRC, a 110% do Serviço Nacional de Saúde e a 170% do investimento do Estado!

Por este caminho de empobrecimento e destruição da economia, é completamente impossível criar riqueza para pagar as dívidas, e bem pior, o país obriga-se a endividar-se para liquidar os próprios juros.

A ortodoxia neoliberal persiste teimosamente na ação do Banco Central Europeu (BCE) que se recusa a financiar diretamente os Estados, insiste em conceder crédito à banca privada à taxa de 1%, e esta, por sua vez, empresta aos Estados a 6 ou 7%!

Ainda no âmbito do Estado, as empresas do sector de transportes registam elevados prejuízos, em boa medida por força dos encargos financeiros que suportam, e em razão direta do incumprimento da lei por parte dos sucessivos governos que, à sua custa, realizam operações de desorçamentação, forçando-as ao endividamento.

É assim que em 2010, a dívida destas empresas atingia 16700 milhões de euros. No próprio Plano Estratégico de Transportes o governo reconhece que “A dívida histórica das empresas do SEE de transportes públicos terrestres resulta, em parte, da concretização de projetos de investimento da responsabilidade do Estado” (pág. 45).

Somente no período 2006/2010, as empresas públicas de transportes foram obrigadas a absorver encargos financeiros no valor de 2754 milhões de euros, verba que é superior às despesas com pessoal (2413 milhões de euros), facto que contraria a ideia amplamente difundida de que o cerne do problema estaria nas remunerações do trabalho.

Como se não bastasse a brutal contração da economia que a passos largos regressará aos níveis de há uma década atrás, acompanhada de pesados sacrifícios sobre os rendimentos do trabalho, o pouco da riqueza e dos excedentes produzidos, é totalmente drenado para os cofres da agiotagem nacional e internacional, precisamente aqueles, que causaram a crise financeira, económica e social.


Publicado no Jornal "Terra Ruiva"
Edição de Fevereiro/2012

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