quarta-feira, 21 de março de 2012

Não há dinheiro!Dizem eles

Com o pretexto das brutais medidas de contenção orçamental e de redução do défice externo, corporizado e ampliado em sede do memorando da troika, os governantes justificam os cortes nas áreas sociais, no serviço nacional de saúde, educação e investimento público. Dizem que não há dinheiro.

Não omitindo o fato do país atravessar uma aguda crise económica, social e financeira cujas razões, sobejamente identificadas e conhecidas, advêm da desregulamentação e liberalização da globalização capitalista e do disfuncionamento da zona euro, que promoveu o modelo de endividamento, hoje colocado em xeque, é certo que existem vastos recursos financeiros disponíveis.

Porém, escasseando, nos bolsos do comum dos cidadãos, das massas trabalhadoras ou da classe média, o dinheiro/capital é abundante nas mãos dos grandes grupos económicos e financeiros que subordinam o poder político aos seus interesses.

Os 76 mil milhões de euros emprestados pela troika ao preço do ouro (35 mil milhões de juros e comissões que representam 45% do valor do empréstimo e 20% do PIB), no fundamental, retornam aos mercados financeiros, incluindo 12 mil milhões, destinados à recapitalização da banca.

Esta mesma banca privada que detém o privilégio de aceder aos massivos empréstimos a 3 anos do BCE (1 bilião de euros à zona euro nos últimos dois meses), à taxa de juro de 1%, para depois refinanciar os Estados, a 5 ou 7%, e supostamente (propósito invocado), financiar a economia através da concessão de crédito às empresas, coisa que na realidade não tem acontecido.

Os bancos preferem não correr riscos, voltam a depositar o dinheiro no BCE e aguardam pacientemente por melhores dias. “O embrulho de celofane dos alegados objetivos não esconde o propósito efetivo de beneficiar bancos e banqueiros, permitindo-lhes substituírem débitos de curto prazo, reequilibrarem os balanços a preço baixíssimo e acumularem liquidez à espera de melhores tempos.” (Octávio Teixeira, Jornal de Negócios)

É preciso também desmistificar os prejuízos apresentados pela banca em 2011. Três dos maiores bancos privados portugueses (BCP, BES e BPI) acumularam 1100 milhões de euros de prejuízo por razões extraordinárias e irrepetíveis (exposição à dívida pública grega, imparidades para crédito exigidas pela troika, transferência dos fundos de pensões para a segurança social).

Mas convém não esquecer que os mesmos bancos, entre 2006 e 2010, obtiveram lucros de 5,7 mil milhões de euros. Afirma-se e repete-se que os portugueses andaram a viver acima das suas capacidades, recorrendo ao crédito. Adotando o mesmo critério, os bancos forneceram crédito fácil e barato acima das suas capacidades. Os portugueses estão a sofrer duramente por isso. Os bancos, estarão? É claro que não. No fundo, lá no fundo, o negócio do crédito irresponsável e arriscado, mais do que compensou. A partir de 2012 voltarão os lucros.

Números oficiais relativos ao BPN espelham que o Estado já deu garantias na ordem dos 3500 milhões de euros, mais 750 milhões em ajudas diretas. Em 15 de Fevereiro do corrente, o Estado injetou 600 milhões no BPN para aumento de capital. O BPN foi vendido ao BIC por 40 milhões de euros!!!

No BPP (outro exemplo de gestão criminosa), o Estado (nós, os contribuintes) prestou garantias no valor de cerca de 457 milhões de euros que já foram executadas quase na totalidade.

Na área da saúde, os utentes são convidados a levar água e medicamentos de casa, e já rareia o material mais simples (luvas, compressas…). Não obstante o aumento das taxas moderadoras, em 2012, entrega-se 320 milhões de euros aos grupos económicos através das parcerias público-privadas (PPP).

E prossegue o financiamento dos grandes hospitais privados com fundos públicos (ADSE), cerca de 600 milhões de euros/ano.

Noutra área, o Estado pagou às concessionárias de autoestradas 1520 milhões de euros em 2011, mais 30% do que o previsto.

No setor da energia as rendas excessivas garantidas pelo Estado deverão somar 300 milhões de euros só em 2011, e cerca de 1500 milhões de euros no período 2011-2020, se nada se fizer para corrigir a situação (dados avançados pelo ex-ministro Mira Amaral).

A EDP acabou de apresentar lucros recorde de 1,12 mil milhões de euros.

A renegociação das PPP avança a passo de caracol. As condições contratuais das PPP são um insulto ao país. O Estado assume a totalidade de tudo o que é risco: riscos de tráfego, riscos comerciais, riscos de financiamento. E assegura taxas de rentabilidade obscenas que chegam a atingir 14%. Os privados reúnem o melhor dos mundos: “sol na eira” e “chuva no nabal”.

O que os contribuintes entregaram em imposto extraordinário no ano passado não chegou para liquidar a fatura das PPP. Os custos com as PPP nos próximos anos atingirão cerca de 60 mil milhões de euros (com elevados lucros para os grupos financeiros e da construção civil).

Não há dinheiro para o crescimento económico, investimento (até 31Dez2011 o país não utilizou 6,1 mil milhões de euros de Fundos Comunitários) e combate ao dramático flagelo do desemprego. Não há dinheiro para salários e pensões. Mas há dinheiro em barda para a banca e os poderosos grupos económicos. São opções de classe (legitimadas pelo voto, defendem alguns, à falta de melhor argumento). Entretanto, a crise aprofunda-se, e a bolha ameaça um dia explodir.


Publicado no Jornal "Terra Ruiva"
Edição de Março/2012

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