quinta-feira, 19 de abril de 2012

Falta de ética na política


A credibilidade da chamada classe política, conceito questionável que, injustamente, coloca todos os detentores de cargos políticos ao mesmo nível e no mesmo saco, cambaleia pelas ruas da amargura.  

Como se não bastasse a profunda crise social, económica e financeira que assola o mundo do trabalho, a função pública, os pensionistas e a classe média, lançando no desespero e no desgaste permanentes, centenas de milhares de portugueses, sujeitos ao desemprego galopante, ao aumento brutal do custo de vida, a cortes desumanos nos seus direitos – acesso à saúde, educação, proteção social, etc. -, que não vislumbram tampouco uma luz ao fundo do túnel e razão para tamanhos sacrifícios, infligidos de forma desigual e assimétrica, a coberto da paranoia da austeridade, também os próprios líderes políticos mantêm-se useiros e vezeiros nas promessas ocas e na mentira. 

Vem isto a propósito do anúncio do primeiro-ministro de que a função pública voltará a receber os subsídios de férias e de Natal, de forma gradual, a partir de 2015. 

Ainda recentemente, ele próprio, o ministro das finanças e outros altos governantes, afirmaram que essa medida é temporária e vigorará apenas durante a vigência do Programa de Assistência Económica e Financeira, ou seja, durante os anos de 2012 e 2013. 

O impassível e sábio ministro das finanças reconheceu que se tratou “naturalmente de um lapso” (mas não pediu desculpa!). 

Se recuarmos ao dia 1 de Abril de 2011 (a dois meses das últimas eleições legislativas), e reproduzir as palavras do atual primeiro-ministro, na altura - na oposição ao governo de José Sócrates: “ Eu já ouvi o primeiro-ministro dizer, infelizmente, que o PSD quer acabar com muitas coisas e também com o 13.º mês, mas nós nunca falámos disso, e isso é um disparate.” Outra coisa não é de constatar, senão, a indecência, a charlatanice e a mediocridade que medra no seio dos governantes que lideram o país … rumo ao empobrecimento e ao desastre.

O descrédito da chamada classe política e a falta de ética, também atinge o poder local. Vamos ao facto concreto. 

Na reunião do executivo municipal de Silves de 14 de Março do corrente, o orçamento da câmara para 2012 foi aprovado com os votos favoráveis do PSD (3) e os votos contra do PS (2) e da CDU (1). A Presidente exerceu o voto de qualidade. 

Até aqui, aparentemente tudo bem. O problema está em que o PS não substituiu de forma deliberada um dos dois vereadores que faltaram à reunião porque “politicamente” tinham decidido viabilizar o orçamento, e em simultâneo, fazer transparecer para a opinião pública, que se opuseram ao mesmo. (Para os menos conhecedores dos meandros das reuniões de câmara, é bom sublinhar que na ausência de algum  elemento do executivo, e perante deliberações importantes, como era o caso, prevalece em regra o bom senso de adiar a votação, existindo sempre a alternativa extrema da oposição provocar falta de quórum). 

No desempenho das suas funções, os políticos locais subordinam-se ao quadro legal, são livres nas orientações que tomam, mas obrigam-se a comportamentos éticos, transparentes e sérios na abordagem que fazem dos problemas e no processo de tomada de decisão. Eleitos locais com carater e espírito de missão, nunca perdem de vista a salvaguarda dos interesses reais da população que representam, abominam a mentira e os jogos políticos indecorosos.

Apostila1 - Posteriormente, os eleitos do PS na Assembleia Municipal tiveram o bom senso de corrigir o comportamento lamentável dos seus correligionários no executivo municipal, chumbando a proposta de orçamento da autarquia para 2012. 

Porque a meu ver há dois aspetos fundamentais que são inaceitáveis na proposta de orçamento: (i) a redução violenta das transferências para as Juntas de Freguesia, de forma desigual e discriminatória (29% para as JF de Messines/CDU, Silves/CDU e S. Marcos da Serra/PS, e 23% para as restantes); (ii) a redução dos subsídios atribuídos às Corporações de Bombeiros (5%), associada à transferência de mais encargos para estas instituições, e dos donativos às associações culturais (50%). 

Opções que não se justificam, considerando, designadamente, o corte das transferências do governo para os municípios (5%), e o orçamento idêntico ao do ano transato (48 milhões de euros). Poder local mais insensível e centralista que o poder central? Não se compreende!

Apostila2 - A crise do país não é apenas de ordem económica e financeira (consequência). É sobretudo de ordem político-ideológica e de valores/ética (causa). 

Político-ideológica porque assente no rotativismo e na desumana lógica neoliberal aplicada no contexto nacional e internacional, erigida em pensamento único, e dirigida à economia e à sociedade, no sentido da privatização, desregulamentação e mercantilização universal (ditadura dos mercados). 

De valores/ética porque o que prevalece realmente hoje é a concorrência desenfreada e o consumismo. O pragmatismo e o individualismo. A indiferença e a submissão. O medo e a apatia. “O partido do dinheiro” e a impunidade dos poderosos. A corrupção, cunha e compadrio. Jobs for the boys. A ascensão na vida a todo o custo, sem escrúpulos … e a falta de ética na política. 


Publicado no Jornal "Terra Ruiva"
Edição de Abril/2012

Sem comentários: