sábado, 23 de abril de 2011

"Ajuda" Externa em Contexto de Capitalismo de Pilhagem

A  propalada “ajuda” externa que há largo tempo vinha sendo sugerida, impulsionada e exigida por banqueiros, comentadores, especialistas e economistas defensores da linha político-ideológica dominante – com acesso privilegiado às televisões e aos grandes meios da comunicação social – foi finalmente anunciada pelo governo de gestão/demissionário de José Sócrates que a negociará junto da União Europeia (UE), Banco Central Europeu (BCE) e Fundo Monetário Internacional (FMI).

O pedido de ajuda foi anunciado na sequência da reunião dos principais bancos privados com o Banco de Portugal que ameaçaram cortar o financiamento ao Estado, deixando de comprar dívida pública. É surpreendente e paradoxal a atitude, se relembrarmos que a banca e o sistema financeiro portugueses têm beneficiado de gordos privilégios fiscais, injecções de capital público e avultadas garantias, equivalentes a mais de 12,5% do PIB, suportadas com o dinheiro dos contribuintes.

Nesta espécie de sinecura, inclui-se, desgraçadamente, e por enquanto, a injecção de 1800 milhões de euros de fundos públicos no BPN e outros 450 milhões de euros no BPP que contribuíram para a fixação do défice orçamental de 2010 em 8,6% do PIB.

A que se soma, os avultados e lucrativos negócios associados à compra de dívida pública no mercado secundário, com juros que variam entre 5% e 12%, e mesmo superiores, em contrapartida dos empréstimos obtidos junto do BCE à taxa de juro de 1%  (82,6 mil milhões de euros entre 2008 e 2010), titularizando como garantia aquela mesma dívida! A margem financeira líquida (diferença de juros que reverteu para a banca em Portugal), no período 2008-2010, atingiu 3,8 mil milhões de euros.

É assim, porque está escrito nas estrelas que o BCE não pode financiar directamente os estados-membros sob pena de reduzir a margem de manobra dos especuladores, i.e., os intocáveis bancos privados (alemães, franceses, espanhóis, portugueses e outros)!

Sabendo-se da rigidez e dogmatismo das políticas neloliberais que impregnam a UE, aguarda-se que a chamada “ajuda” externa seja condicionada pela aplicação de novo pacote de pesadas medidas de austeridade que mergulhará ainda mais o país no desemprego e na recessão económica, não impedindo tampouco a continuada especulação dos mercados financeiros, como  provam  os casos da Irlanda e da Grécia cujo PIB não cresce pelo 3.º ano consecutivo, e com os juros da dívida acima dos 10%.  

Os portugueses confrontar-se-ão com  mais aumentos de impostos, redução de salários e pensões, cortes na educação, saúde e demais serviços públicos, máxima  precarização do trabalho, despedimentos na função pública, privatizações do que resta a preço de saldo, etc.

Como afirmou Paul Krugman, americano, prémio Nobel da Economia, referindo-se a Portugal: “A redução da despesa em período de desemprego elevado é um erro. Os defensores da austeridade prevêem que esta produza dividendos rápidos sob a forma do aumento da confiança económica, com poucos ou nenhuns efeitos negativos sobre o crescimento e o emprego; o problema é que não têm razão. Cortar na despesa numa economia em recessão acaba por ser contraproducente nem que seja em termos fiscais: quaisquer poupanças na despesa são anuladas pela redução da receita fiscal resultante da contracção da economia. É por isso que a estratégia correcta é emprego primeiro e défice depois.

O pensamento dominante com assento no Bloco Central de Interesses (PS+PSD+CDS) quer nos fazer crer que não há alternativas às medidas adoptadas mas é real que elas existem e são credíveis. O problema da liquidez imediata e de emergência ao Estado é viável através de empréstimos do BCE cujos estatutos o permitem, podendo ser intermediados pela CGD.

É inaceitável que não se pondere a hipótese da reestruturação imediata da dívida pública (mais tarde ou mais cedo do que se pensa, tornar-se-á inevitável), negociando-se junto dos credores a dilatação dos prazos de amortização, a redução das taxas de juro e os montantes a pagar (na Islândia a população revoltou-se e os credores foram obrigados a baixar os juros e a alargar o período de amortização da dívida para 37 anos).

É inaceitável que não se reflicta sobre a possibilidade de venda de parte dos activos detidos por instituições públicas portuguesas que ascendem  a 55 mil milhões de euros como também não é entendível que não se encete com carácter de urgência a renegociação das famigeradas parcerias público-privadas  cuja paternidade tem  marca PSD (encargos assumidos até 2030, contabilizam 22,4 mil milhões de euros).

A imposição de medidas de austeridade brutais como as que aí vêm, comprovadamente injustas e assimétricas do ponto de vista da repartição dos sacrifícios, desinseridas de um plano estratégico focado no relançamento económico e na criação de emprego, e concentradas num período diminuto de tempo (até 2013), de forma alguma solucionarão problemas de tamanha magnitude como são os casos do défice orçamental, da redução da dívida pública e do défice externo (este, o problema fundamental do país). Só podem  redundar  no profundo fracasso, fomentar o atraso social e económico, e semear o protesto e a revolta na sociedade portuguesa para níveis nunca anteriormente alcançados, conduzindo a “levantamentos que resgatem a inércia bovina com que se tem vivido” (Baptista Bastos, Jornal de Negócios, 18.02.2011).

Publicado no Jornal "Terra Ruiva"
Edição de Abril/2011

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