quinta-feira, 21 de julho de 2011

Promessas leva-as o vento!

“Se ainda vier a ser necessário algum ajustamento, a minha garantia é de que seria canalizado para os impostos sobre o consumo, e não para impostos sobre o rendimento das pessoas” (Passos Coelho, Bruxelas, 24 de Março de 2011)



Chegaram as eleições, contaram-se os votos, conquistou-se o poder, e num ápice, a promessa, badalada na forma de garantia prestada ao país, recolheu à gaveta do esquecimento, não se cumprindo o que se proclamou aos quatro ventos.

É desta forma leviana que parte da chamada classe política, designadamente, aquela que invariavelmente ganha as eleições nacionais, e rotativamente, ocupa as cadeiras do poder central, vê o seu prestígio ruir, arrastando consigo a degradação progressiva do regime democrático e o alastramento do descrédito entre faixas cada vez mais extensas da população, que acaba por julgar injustamente todos pelo mesmo prisma.

É neste contexto que se deve equacionar o lançamento do imposto extraordinário em sede de IRS sobre o subsídio de Natal, amputando-o em 50%, atingindo desta vez não só o causticado e heterogéneo funcionalismo público – cujos cortes mensais mais os acertos fiscais finais já equivalem à perda de 2 meses de salários em 2011 - como também o sector privado da economia. É a velha receita de sempre e a mais fácil de executar.

De outro modo, requerer-se-ia elevada competência e eficiência que, pelos vistos não se descortina, para proceder à cobrança das dívidas ao fisco e à segurança social na ordem dos 9% do PIB (16 mil milhões de euros) que representam uma afronta para quem cumpre e que só por si resolveria o problema do défice das contas públicas.

Na verdade é mais fácil persistir no ataque privilegiado aos rendimentos do trabalho - salários e pensões - por via do aumento dos impostos para assegurar a redução do défice orçamental. Contudo, esta última medida nem estava prevista no memorando da troika, o que leva a crer que o novo governo procura a todo o transe fazer figura de bom aluno junto do FMI e da União Europeia (UE), nem que para isso aperte o garrote sobre os estratos sociais de baixo rendimento e a classe média, que leva ao estrangulamento da vida das famílias afectadas, e provoca efeitos recessivos na economia.

No quadro da estratégia governamental há claramente um erro de casting.

Se é certo que o défice orçamental, a dívida pública e externa, carecem de contenção e redução para níveis sustentáveis, não há dúvida que a austeridade (por ora esqueçamos a repartição assimétrica e injusta dos sacrifícios), na ausência de investimento e de medidas de incentivo ao relançamento económico - e relembrando que é ilusório pensar que somente as exportações garantirão o crescimento - agravará os indicadores macroeconómicos e os problemas sociais, intensificando o ciclo recessivo.

Lamentavelmente, a receita prevista – fundada nos cânones neoliberais - não nos conduzirá a bom porto.

O relatório da missão do FMI enuncia que até 2013 o défice do orçamento de Estado baixará para 3% do PIB, com a parcela dos juros a quase duplicar. À conta de insuportáveis custos sociais: o desemprego a passar os 13% (não distante do milhão de desempregados), os salários reais a baixarem 7%, o consumo privado a cair 9,5%, as dívidas pública e externa a saltar para os 115% e 123% do PIB! O investimento privado recuará 7% e o PIB regredirá cerca de 3%.

Nem o melhor optimismo concluirá que no rescaldo de 3 anos de violentas e cegas medidas de austeridade, o país reunirá condições para satisfazer os compromissos financeiros internacionais porque sem crescimento económico e sem reestruturação da dívida pública, não há margem nem tempo para sairmos do atoleiro onde a geração de políticas neoliberais e os desregulados mercados financeiros nos meteram.

Apostila – As agências de rating internacionais - empresas que avaliam a capacidade de um país ou empresa em cumprir os seus compromissos financeiros - têm-se arvorado em líderes da rapinagem e da especulação, em consequência das suas insensatas e inoportunas notações de risco que em vez de estabilizar os mercados, acirram-nos e atiram os níveis de usura para números inimagináveis (15, 25% …), talvez com proveito próprio para os seus accionistas, empurrando economias e Estados para a beira da bancarrota.

Saúda-se a mudança de posição da direita que até há pouco (vide o exemplo do Presidente da República) recusava qualquer crítica pública ao trabalho dessas agências – acusando a esquerda de irresponsável - sob o pretexto de não interferir nos mecanismos de mercado.

Porém, é indispensável passar da retórica aos actos. No mínimo, impõe-se às empresas e Estados, a rescisão dos contratos celebrados com as agências de notação de risco, e à UE, que criminalize os seus actos, exigindo responsabilidades e indemnizações pelos danos causados, e promova a criação de agência de rating independente e credível que afronte o oligopólio constituído pelas 3 agências de rating norte-americanas. Porque quanto ao rumo que a UE está a tomar, isso é assunto demasiadamente relevante que já não cabe nestas linhas.


Publicado no Jornal "Terra Ruiva"
Edição de Julho/2011

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