terça-feira, 25 de outubro de 2011

Poder Local sob ameaça totalitária

Após a reforma fracassada do então Secretário de Estado Miguel Relvas (2003), o mesmo autor, na qualidade de ministro dos Assuntos Parlamentares do actual governo, insiste de novo com a apresentação de nova lei autárquica, incluindo a lei eleitoral, no âmbito da chamada reforma da administração das autarquias locais.

A ser aprovada, obrigatoriamente, com a concordância do PS, porque a Constituição da República exige uma maioria qualificada de 2/3 dos deputados no Parlamento, a configuração do poder local democrático, instituído na sequência das transformações operadas com o 25 de Abril de 1974, justamente considerado uma das suas maiores mais-valias, nada terá a ver com a que se avizinha no horizonte.

Concretizando-se a alteração da lei eleitoral autárquica, em vez da apresentação de duas listas – uma à Assembleia Municipal, outra à Câmara Municipal – passará a verificar-se o sufrágio de uma única lista à Assembleia Municipal.

O cabeça-de-lista mais votado será o Presidente de Câmara eleito, que possuirá a prerrogativa de escolher todos os vereadores que o acompanharão na formação do executivo camarário. Desta forma, os executivos camarários formar-se-ão somente com vereadores do mesmo partido, eliminando-se  - como até aqui acontecia -  a presença de elementos de outras forças políticas, e a oposição no seu seio.

(Neste aspecto, o PSD evoluiu negativamente no sentido da aproximação ao projecto antigo do PS, já que em 2003, defendia que o Presidente da Câmara pudesse escolher metade dos membros do executivo municipal mais um, independentemente, da força política vencedora, conseguir maioria relativa ou maioria absoluta dos votos, mantendo-se em todos os casos, a eleição de vereadores da oposição).

Justifica-se a alteração da lei com o argumento falacioso de assegurar a estabilidade governativa e a eficiência no funcionamento nas câmaras municipais (executivos homogéneos de um só partido), e a redução de custos.

O primeiro argumento cai pela base ao constatarmos que cerca de 90 por cento das câmaras do país são governadas com maiorias absolutas e que o número de eleições intercalares nos últimos anos é residual.

No que se refere ao argumento da redução de custos (financeiros) não parece razoável que a diminuição do número de vereadores em 35% resolva algum problema fundamental das finanças públicas, e compense o impacto negativo no plano da qualidade e vitalidade da democracia no interior dos órgãos, e da participação cívica no geral, menosprezando sectores representativos da vontade das populações locais.

A democracia perde e muito. É pura ilusão pretender contrabalançar o poder omnipresente, e por vezes, prepotente e autoritário, dos Presidente de Câmara, com o reforço formal das competências fiscalizadoras da Assembleia Municipal que se junta em meia dúzia de ocasiões ao longo do ano.

Se a um vereador da oposição (sem pelouro) já é complexo acompanhar semanal ou quinzenalmente, a vida corrente do município, e estudar, previamente, a volumosa agenda da ordem de trabalhos das reuniões camarárias, imagine-se a qualidade e a profundidade do trabalho dos deputados municipais (com vida profissional própria) que, inevitavelmente, de modo tardio e desfasado, se debruçarão sobre assuntos que frequentemente carecem de informação.

É esclarecedora a opinião de Luís de Sousa, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e presidente da Associação Cívica Transparência e Integridade, passo a citar: “ … as mudanças no retrato das câmaras não são dissociáveis da redução de vereadores da oposição … abrindo-se a porta à corrupção e ao clientelismo. Silenciam-se as vozes incómodas que, a par dos funcionários públicos e cidadãos, eram as grandes responsáveis por denúncias à IGAL. O que temos aqui á volta são 308 possíveis Madeiras, que só o não são porque não têm zona franca nem a mesma transferência financeira do Estado.” (Público, 3 de Outubro de 2011)

Com a instalação de executivos municipais monocolores, milhares e milhares de eleitores não se sentirão representados no poder local. Desvirtua-se grosseiramente a vontade do eleitorado, abate-se o pluralismo e o confronto democrático de ideias e projectos que enriquece a qualidade da decisão, partidariza-se para níveis superiores a estrutura municipal, encurta-se substancialmente a capacidade de controlo e fiscalização da gestão camarária, potencia-se a corrupção e o clientelismo, alimenta-se o pendor autoritário de muitos presidentes de câmara ...É a visão totalitária do poder.

Publicado no Jornal Terra Ruiva
Edição de Outubro/2011

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