“Numa altura em que urge criar riqueza no
país e gerar novas bases de crescimento económico, é necessário olhar para o
que esquecemos nas últimas décadas e ultrapassar os estigmas que nos afastaram
do mar, da agricultura e até da indústria, com vista a produzirmos, em maior
gama e quantidade, produtos e serviços que possam ser dirigidos aos mercados
externos.”
Nada mais certeiro e justo.
O problema está em que, quem
proferiu as palavras citadas, foi o Presidente da República, Cavaco Silva, a
mesma pessoa que governou o país durante 10 anos (1985-95), foi ministro
anteriormente, e há cerca de 7 anos exerce o mandato de supremo magistrado da
nação!
O problema é que se verifica insanável incoerência entre a proclamação e
as políticas executadas em direção inversa. Assentava-lhe bem do ponto de vista
da humildade democrática e da verdade histórica que admitisse mea culpa relativamente à sua política e opções estratégicas
tomadas, mas nada disto acontece.
A verdade é que durante o seu longo
consulado, comportando-se também como bom aluno a mando dos donos da Europa, os
abundantes fundos estruturais provenientes da União Europeia (700 milhões de
contos anuais), foram canalizados para deixar de produzir na agricultura,
deixar terras em pousio, arrancar vinhas e oliveiras.
Os aplicados no setor do
mar e das pescas, promoveram o abate de barcos, em vez da sua modernização, o
desmantelamento da construção e reparação naval, e da marinha mercante, num
país com a maior zona económica exclusiva de espaço marítimo da Europa
(importamos mais de 60% do peixe que consumimos).
Os dirigidos à indústria serviram
para quase tudo, menos para a fomentar. Em contrapartida, realizaram-se investimentos
faraónicos no cimento e no alcatrão.
No período pós-1995, com outros
protagonistas, mas no âmbito do mesmo bloco central de interesses (PSD, CDS e PS), iniciou-se
a preparação artificial e forçada da adesão à zona euro, numa postura de
novo-riquismo, sem medir as consequências, lançando o país na aventura, cujo preço hoje
pagamos, com o estado de desgraça coletiva que se aprofunda.
Porque era sabido
que a aplicação de uma política monetária comum, a países com profundas
disparidades nos níveis de desenvolvimento económico e social, que pelo
contrário, necessitam de políticas diferenciadas, provocariam maus resultados
no desempenho da economia … e a acentuação da destruição gradual do aparelho
produtivo nacional por razões de concorrência e competitividade.
Atente-se na
evolução do peso percentual da agricultura e indústria (atividades
produtivas) no produto interno bruto (PIB), desde a adesão de
Portugal à CEE (1986), passando pela integração na zona euro (1999):
1986
|
1995
|
2008
|
|
Agricultura e
Pescas
|
9,9
|
6,5
|
2,4
|
Indústria,
Eletricidade, Águas
|
32,2
|
26,4
|
7,3
|
Total
|
42,1
|
32,9
|
9,7
|
E talvez se compreenda
os estigmas de Cavaco Silva que nos afastaram do mar, da agricultura e da
indústria.
Entre 1986 e 2008, a proporção das “atividades produtivas” no PIB
regrediu assustadoramente, de 42,1% para 9,7%!. No período 1989/2009
desapareceram 300 mil explorações agrícolas (mais de 50% das existentes).
Este
fenómeno nada tem a ver com qualquer
processo de modernização, mas ao invés, reflete o agravamento da natureza
dependente e periférica da economia portuguesa, com expressão no endividamento
e aprofundamento dos défices de vário tipo, e a divergência com o nível de vida
europeu.
Se o Presidente
Cavaco Silva deseja firmemente que o país se vire para o mar, que invista na agricultura
e se reindustrialize, enfrenta uma oportunidade histórica de se redimir, não
promulgando o orçamento de Estado para 2013, que é a antítese do crescimento e
do desenvolvimento económico e social.
Jornal "Terra Ruiva"
Edição de Dezembro/2012
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