quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Bem prega frei Tomás ...



Numa altura em que urge criar riqueza no país e gerar novas bases de crescimento económico, é necessário olhar para o que esquecemos nas últimas décadas e ultrapassar os estigmas que nos afastaram do mar, da agricultura e até da indústria, com vista a produzirmos, em maior gama e quantidade, produtos e serviços que possam ser dirigidos aos mercados externos.” 

Nada mais certeiro e justo. 

O problema está em que, quem proferiu as palavras citadas, foi o Presidente da República, Cavaco Silva, a mesma pessoa que governou o país durante 10 anos (1985-95), foi ministro anteriormente, e há cerca de 7 anos exerce o mandato de supremo magistrado da nação! 

O problema é que se verifica insanável incoerência entre a proclamação e as políticas executadas em direção inversa. Assentava-lhe bem do ponto de vista da humildade democrática e da verdade histórica que admitisse mea culpa relativamente à sua política e opções estratégicas tomadas, mas nada disto acontece. 

A verdade é que durante o seu longo consulado, comportando-se também como bom aluno a mando dos donos da Europa, os abundantes fundos estruturais provenientes da União Europeia (700 milhões de contos anuais), foram canalizados para deixar de produzir na agricultura, deixar terras em pousio, arrancar vinhas e oliveiras. 

Os aplicados no setor do mar e das pescas, promoveram o abate de barcos, em vez da sua modernização, o desmantelamento da construção e reparação naval, e da marinha mercante, num país com a maior zona económica exclusiva de espaço marítimo da Europa (importamos mais de 60% do peixe que consumimos). 

Os dirigidos à indústria serviram para quase tudo, menos para a fomentar. Em contrapartida, realizaram-se investimentos faraónicos no cimento e no alcatrão. 

No período pós-1995, com outros protagonistas, mas no âmbito do mesmo  bloco central de interesses (PSD, CDS e PS), iniciou-se a preparação artificial e forçada da adesão à zona euro, numa postura de novo-riquismo, sem medir as consequências,  lançando o país na aventura, cujo preço hoje pagamos, com o estado de desgraça coletiva que se aprofunda. 

Porque era sabido que a aplicação de uma política monetária comum, a países com profundas disparidades nos níveis de desenvolvimento económico e social, que pelo contrário, necessitam de políticas diferenciadas, provocariam maus resultados no desempenho da economia … e a acentuação da destruição gradual do aparelho produtivo nacional por razões de concorrência e competitividade.

Atente-se na evolução do peso percentual da agricultura e indústria (atividades produtivas)  no produto  interno bruto (PIB), desde a adesão de Portugal à CEE (1986), passando pela integração na zona euro (1999):


1986
1995
2008
Agricultura e Pescas
9,9
6,5
2,4
Indústria, Eletricidade, Águas
32,2
26,4
7,3
Total
42,1
32,9
9,7

E talvez se compreenda os estigmas de Cavaco Silva que nos afastaram do mar, da agricultura e da indústria. 

Entre 1986 e 2008, a proporção das “atividades produtivas” no PIB regrediu assustadoramente, de 42,1% para 9,7%!. No período 1989/2009 desapareceram 300 mil explorações agrícolas (mais de 50% das existentes). 

Este fenómeno nada tem  a ver com qualquer processo de modernização, mas ao invés, reflete o agravamento da natureza dependente e periférica da economia portuguesa, com expressão no endividamento e aprofundamento dos défices de vário tipo, e a divergência com o nível de vida europeu.

Se o Presidente Cavaco Silva deseja firmemente que o país se vire para o mar, que invista na agricultura e se reindustrialize, enfrenta uma oportunidade histórica de se redimir, não promulgando o orçamento de Estado para 2013, que é a antítese do crescimento e do desenvolvimento económico e social.


Edição de Dezembro/2012 

Sem comentários: