quarta-feira, 24 de abril de 2013

Renegociar a dívida pública portuguesa



A reestruturação ou renegociação, como se queira chamar, da dívida pública portuguesa, mais cedo ou mais tarde, vai-se impor inexoravelmente, porque o seu volume e rácio não param de crescer. 

Nas condições de funcionamento asfixiante da economia nacional, sujeita a violentas medidas de austeridade, causadoras de recessão, a que se responde com mais austeridade, num ciclo vicioso absurdo e imbecil, onde as metas e previsões falham estrondosamente – receita e estratégia que em parte alguma deu bons resultados - somente explicáveis por fanatismo ideológico, não há produção de riqueza suficiente que suporte o pagamento de amortizações e juros aos credores. 

No final de 2011 a dívida pública ascendia a 107,8% do PIB (184 300 milhões de euros). No final de 2012 subiu para 123% do PIB, e o seu stock para mais de 200 000 milhões de euros. 

O número de políticos, especialistas e analistas de vários quadrantes ideológicos que defendem a renegociação da dívida vai engrossando. O próprio governo, ao solicitar ao BCE e à Comissão Europeia, o prolongamento dos prazos dos empréstimos do resgate financeiro, enveredou pelo caminho (encapotado) da renegociação da dívida, embora, nos tempos e nos interesses dos credores. 

Renegociar a dívida e defender os interesses nacionais, significa apurar montantes, natureza, origens, tipo de credores, e recusar pagar uma parte que é ilegítima, alargar prazos, baixar juros, definir um período de carência, não comprometer o crescimento económico, indexar o serviço da dívida a determinada percentagem do valor das exportações anuais. 

Renegociar a dívida implica a redução dos juros agiotas que são impostos ao país (7330 milhões de euros em 2012, montante que é superior à despesa com a educação ou com o Serviço Nacional de Saúde).  

Dirão alguns que tudo isto é radicalismo. Pois muito bem

Talvez muita gente não saiba que a atual mandante da União Europeia, a Alemanha, beneficiou de idênticas, e até melhores condições, no período pós - 2.ª Guerra Mundial, desencadeada pela mesma, no âmbito do Acordo de Londres de 1953. 

A sua dívida total foi avaliada em 32 biliões de marcos. Foi-lhe perdoada cerca de 50% da dívida e feito o reescalonamento da dívida restante para um período de 30 anos. 

Parte do pagamento da dívida foi condicionado à reunificação (1990). O pagamento devido em cada ano não podia exceder a capacidade da economia, prevendo-se a possibilidade de suspensão e de renegociação dos pagamentos. 

Entre 1953 e 1958 foi declarado um período de carência, durante o qual apenas só se pagavam juros. O valor afeto ao serviço da dívida não podia ser superior a 5% do valor das exportações.  

Nada justifica que a solução alemã de 1953 não pudesse ser ponderada e aplicada aos países que hoje padecem do problema da sobrecarga de endividamento externo. 

Vários especialistas defendem a reestruturação da dívida soberana. “Quando um país está endividado e não tem bases para crescer, quando mais cedo reestruturar, melhor.” (Mitu Gulati, Professor da Universidade de Duke, EUA, especialista em reestruturações de dívidas soberanas). Ricardo Cabral, Professor da Universidade da Madeira afirma por sua vez que, só com reestruturação, a dívida fica sustentável, sendo a mesma inevitável (Público, 4Fev2013).

É claro que uma renegociação da dívida pública onde impere os interesses do devedor, não é compaginável com as brutais medidas de austeridade do programa de ajustamento financeiro e a cegueira neoliberal do governo e dos líderes europeus, começando a defender-se, inclusivamente, a própria saída do país da zona euro, que deixou de ser assunto tabu. 

Certo é que a trilhar a trajetória atual, Portugal prosseguirá com a destruição da produção e emprego, o empobrecimento generalizado, a recessão ano após ano, o incumprimento recorrente das metas dos défices orçamentais e o crescimento exponencial da dívida pública (e privada). 

À beira do 39.º aniversário da revolução libertadora do 25 de Abril de 1974, a democracia está moribunda e a política refém dos poderosos interesses financeiros. 

O governo perdeu o norte e é incapaz de encontrar soluções para o país. 

Mas em abono da verdade, o governo, mais troikista que a troika dos credores e da senhora Merkel, nunca se desviou do propósito estratégico e programa ideológico, de levar a cabo, custe o que custar (se nós o permitirmos), a desvalorização brutal do trabalho e o empobrecimento geral, destruindo o Estado Social, com a ilusão de que o país ganhará competitividade num futuro incerto. Fazendo da aplicação das suas políticas uma experiência laboratorial.

Pensaram sempre em atacar salários, pensões, reformas, rendimentos individuais e das famílias, serviços públicos para os mais necessitados e nunca em rendas estatais, contratos leoninos, interesses da banca, abusos e cartéis das grandes empresas. Pode-se dizer que fizeram uma escolha entre duas opções, mas a verdade é que nunca houve opção: vieram para fazer o que fizeram, vieram para fazer o que estão a fazer.
(José Pacheco Pereira, Professor Universitário, intelectual, militante do PSD, blogue “Abrupto”, 8Abril2013)


Jornal Terra Ruiva
Edição de Abril/2013

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