A reestruturação
ou renegociação, como se queira chamar, da dívida pública portuguesa, mais cedo
ou mais tarde, vai-se impor inexoravelmente, porque o seu volume e rácio não
param de crescer.
Nas condições de funcionamento asfixiante da economia
nacional, sujeita a violentas medidas de austeridade, causadoras de recessão, a
que se responde com mais austeridade, num ciclo vicioso absurdo e imbecil, onde
as metas e previsões falham estrondosamente – receita e estratégia que em parte
alguma deu bons resultados - somente explicáveis por fanatismo ideológico, não
há produção de riqueza suficiente que suporte o pagamento de amortizações e
juros aos credores.
No final de 2011 a dívida pública ascendia a 107,8% do PIB
(184 300 milhões de euros). No final de 2012 subiu para 123% do PIB, e o seu
stock para mais de 200 000 milhões de euros.
O número de políticos,
especialistas e analistas de vários quadrantes ideológicos que defendem a
renegociação da dívida vai engrossando. O próprio governo, ao solicitar ao BCE
e à Comissão Europeia, o prolongamento dos prazos dos empréstimos do resgate
financeiro, enveredou pelo caminho (encapotado) da renegociação da dívida,
embora, nos tempos e nos interesses dos credores.
Renegociar a dívida e
defender os interesses nacionais, significa apurar montantes, natureza,
origens, tipo de credores, e recusar pagar uma parte que é ilegítima, alargar
prazos, baixar juros, definir um período de carência, não comprometer o
crescimento económico, indexar o serviço da dívida a determinada percentagem do
valor das exportações anuais.
Renegociar a dívida implica a redução dos juros
agiotas que são impostos ao país (7330 milhões de euros em 2012, montante que é
superior à despesa com a educação ou com o Serviço Nacional de Saúde).
Dirão alguns que tudo isto é radicalismo.
Pois muito bem.
Talvez muita gente não saiba que a atual mandante da União
Europeia, a Alemanha, beneficiou de idênticas, e até melhores condições, no
período pós - 2.ª Guerra Mundial, desencadeada pela mesma, no âmbito do Acordo
de Londres de 1953.
A sua dívida total foi avaliada em 32 biliões de marcos.
Foi-lhe perdoada cerca de 50% da dívida e feito o reescalonamento da dívida
restante para um período de 30 anos.
Parte do pagamento da dívida foi
condicionado à reunificação (1990). O pagamento devido em cada ano não podia
exceder a capacidade da economia, prevendo-se a possibilidade de suspensão e de
renegociação dos pagamentos.
Entre 1953 e 1958 foi declarado um período de
carência, durante o qual apenas só se pagavam juros. O valor afeto ao serviço
da dívida não podia ser superior a 5% do valor das exportações.
Nada justifica que a solução alemã de 1953
não pudesse ser ponderada e aplicada aos países que hoje padecem do problema da
sobrecarga de endividamento externo.
Vários especialistas defendem a
reestruturação da dívida soberana. “Quando
um país está endividado e não tem bases para crescer, quando mais cedo
reestruturar, melhor.” (Mitu
Gulati, Professor da Universidade de Duke, EUA, especialista em reestruturações
de dívidas soberanas). Ricardo Cabral, Professor da Universidade da
Madeira afirma por sua vez que, só com reestruturação, a dívida fica
sustentável, sendo a mesma inevitável (Público, 4Fev2013).
É claro que uma
renegociação da dívida pública onde impere os interesses do devedor, não é
compaginável com as brutais medidas de austeridade do programa de ajustamento
financeiro e a cegueira neoliberal do governo e dos líderes europeus, começando
a defender-se, inclusivamente, a própria saída do país da zona euro, que deixou
de ser assunto tabu.
Certo é que a trilhar a trajetória atual, Portugal prosseguirá
com a destruição da produção e emprego, o empobrecimento generalizado, a
recessão ano após ano, o incumprimento recorrente das metas dos défices
orçamentais e o crescimento exponencial da dívida pública (e privada).
À beira
do 39.º aniversário da revolução libertadora do 25 de Abril de 1974, a
democracia está moribunda e a política refém dos poderosos interesses
financeiros.
O governo perdeu o norte e é incapaz de encontrar soluções para o
país.
Mas em abono da verdade, o governo, mais troikista que a troika dos
credores e da senhora Merkel, nunca se desviou do propósito estratégico e programa
ideológico, de levar a cabo, custe o que custar (se nós o permitirmos), a desvalorização brutal do
trabalho e o empobrecimento geral, destruindo o Estado Social, com a ilusão de que
o país ganhará competitividade num futuro incerto. Fazendo da aplicação das
suas políticas uma experiência laboratorial.
Pensaram sempre em atacar salários,
pensões, reformas, rendimentos individuais e das famílias, serviços públicos
para os mais necessitados e nunca em rendas estatais, contratos leoninos,
interesses da banca, abusos e cartéis das grandes empresas. Pode-se dizer que
fizeram uma escolha entre duas opções, mas a verdade é que nunca houve opção:
vieram para fazer o que fizeram, vieram para fazer o que estão a fazer.
(José Pacheco Pereira, Professor
Universitário, intelectual, militante do PSD, blogue “Abrupto”, 8Abril2013)
Jornal Terra Ruiva
Edição de Abril/2013
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