domingo, 2 de março de 2014

Não há motivos para sorrir



O cumprimento da meta do défice do orçamento de Estado (2013) abaixo dos 5,5% do PIB não passa de um sucesso ilusório. 

O truque está na ocultação das metas iniciais sucessivamente redefinidas. Dos 3% inicialmente acordados com a troika, alteraram-se os valores para 4,5%, até se chegar ao estabelecimento dos 5,5%, como meta final do défice do orçamento de Estado (OE) para 2013. 

O valor do défice situou-se ligeiramente abaixo dos 5,5% do PIB, atingindo os 7,1 mil milhões de euros na ótica da Contabilidade Pública., cifra que não se afasta muito do défice verificado em 2011 (primeiro ano de governação da coligação de direita PSD/CDS). 

Tudo isto aconteceu ao fim de dois anos e meio de violentas medidas de austeridade e sacrifícios assimétricos que nada resolveram, pelo contrário, têm atirado o desemprego para níveis nunca antes atingidos, conduziram ao empobrecimento do país, à fragilização da chamada classe média e ao aumento da emigração para valores equivalentes aos dos anos 60 do século passado, durante o período de governação do ditador de Santa Comba Dão. 

Na verdade não há qualquer razão para euforias. A economia não para de decrescer: menos 1,3% em 2011, menos 3,2% em 2012 e cerca de menos 1,5% em 2013. E a dívida pública sempre a subir. 

Nestes últimos dois anos e meio de governação sob o Memorando da Troika, considerado por Passos Coelho como “o melhor programa de Governo desde o 25 de Abril de 1974”, destruíram-se 300 000 postos de trabalho em termos líquidos. 

Um outro mito que urge desmistificar tem a ver com a repartição justa dos sacrifícios que é uma perfeita cabala. A análise das medidas de redução do défice no período 2011/2013 leva-nos a concluir que 80% da redução da despesa pública (10,7 mil milhões de euros) foi efetivada à custa de trabalhadores e pensionistas e que 64% do aumento de impostos (5,8 mil milhões de euros) teve como origem medidas que atingiram também os trabalhadores e pensionistas.  

Em contraponto vejamos o seguinte: escandalosos pagamentos de juros aos credores do país em valores que superam o défice do orçamento de Estado ou separadamente a despesa com a saúde ou a despesa com a educação; os famigerados contratos leoninos das parcerias público-privadas que persistem praticamente intocáveis na ordem dos milhares de milhões de euros anuais; os milhares de milhões canalizados para as operações SWAP e para o BPN (mais 510 milhões injetados no “lixo”); o recente caso divulgado pelo Tribunal de Contas segundo o qual o Governo ocultou benefícios fiscais no valor de 1045 milhões de euros dados às chamadas SGPS, as Sociedades Gestoras de Participações Sociais que controlam as empresas dos grandes grupos económicos; - são a prova indesmentível da iniquidade e profunda assimetria na repartição dos inúteis sacrifícios. 

Acerca da execução orçamental de 2013 são sintomáticas as palavras da insuspeita Manuel Ferreira Leite (ex-Ministra das Finanças e ex-líder do PSD): “Não contesto o número. Contesto as medidas ou as opções que foram tomadas para lá chegar. Têm tido custos de natureza social extremamente pesados e poderíamos estar em condições diversas se tivéssemos tomado outros tipos de medidas. Se estivesse na posição do Governo não deitaria tantos foguetes.” (TVI24, 23.01.2014)

A inutilidade e fracasso das políticas da troika, diligente e submissamente, realizadas pela coligação de direita no poder, demonstra-se com o lançamento da mesma “receita” para 2014, com a imposição de doses reforçadas de brutalidade e desumanidade cujos destinatários são os mesmos de sempre. 

A função pública, os trabalhadores, os reformados e pensionistas. Cortes selváticos de salários e pensões, impostos nos limites do intolerável, destruição da escola pública, desmantelamento do serviço nacional de saúde, privatizações a preço de saldo …enfim … a captura do Estado, da economia e da política pelos grandes grupos económicos e financeiros. 

Apostila – O governo decidiu privatizar a EGF, empresa gestora dos resíduos sólidos da Águas de Portugal - recolha do lixo em alta -, que levará na prática à alienação das 11 empresas multimunicipais do setor. 

Esta operação significará o aumento do preço cobrado, a diminuição da qualidade do serviço prestado, um ataque ao emprego com direitos e a perda da capacidade de intervenção dos municípios. 

Ao negócio do lixo seguir-se-á no futuro próximo o negócio da água. Confirmam-se as suspeitas daqueles que no período da criação das empresas multimunicipais nas áreas dos resíduos sólidos (e da água), consideraram estar-se perante o primeiro passo no caminho da privatização. 

Tratando-se de segmentos altamente rentáveis, geradores de largas centenas de milhões de euros, é um negócio apetitoso para os poderosos interesses económicos, que vai na senda de um dos princípios do capitalismo: “privatizar os lucros, socializar os prejuízos”.

Jornal Terra Ruiva
Edição de Fevereiro/2014

Sem comentários: